Safo foi a maior poetisa de todos os tempos.
Acima da Decápolis Jônia ficavam as doze cidades do continente colonizado pelos eolianos e aqueanos, que vieram do norte da Grécia pouco depois da queda de Troia ter aberto a Ásia Menor à imigração grega. Eram pela maioria cidades pequenas, de modesto papel na história; mas a ilha de Lesbos rivalizou com os centros jônios em riqueza, refinamento e gênio literário. O solo vulcânico transformava a ilha num verdadeiro éden de pomares e vinhas. De suas cinco cidades, Mitilene foi a maior, quase tão rica pelo comércio como Mileto, Samos e Éfeso. Em fins do sétimo seculo a união das classes mercantes com os cidadãos pobres derrubou a aristocracia e fez do bravo e rude Pitaco ditador pelo período de dez anos, com poderes equivalentes aos do seu amigo e colega Solon, o sábio. A aristocracia conspirou para a retomada do poder, mas Pitaco abateu-a, exilando-lhes os chefes, inclusive Alceu e Safo, a princípio de Mitilene e em seguida da própria Lesbos.
Alceu era um ardente rebelde que misturava política e poesia e incitava os poetas líricos a vibrarem os sinos da revolta. De origem aristocrática, atacou o ditador com insolência tão brilhante que mereceu a coroa da deportação. Usava duma forma poética toda pessoal, a que a posteridade denominou "alcaica"; e todas as suas estrofes, segundo se afirma, possuíam melodia e encanto. Durante algum tempo cantou a guerra, descrevendo o seu próprio lar como repleto de troféus mavórticos; mas quando lhe surgiu a primeira oportunidade de demonstrar heroísmo, atirou para longe o escudo, desertou, como Arquíloco, e congratulou-se liricamente pela alta prudência demonstrada. De quando em quando cantava o amor, mas o tema favorito era o vinho; tão famoso em Lesbos quanto a poesia. Nun chre methusthen, aconselha-nos ele: nunc bibamus, bebamos fartamente; no verão, para avivar a sede; no outono, para avivar a estação; no inverno, para aquecer o sangue; na primavera, para comemorar o ressurto da natureza.
"A chuva de Zeus tomba, do alto do céu vem a borrasca
e o frio imobiliza as águas dos regatos.
Eia, então! Destrói o inverno, aviva mais e mais as chamas do fogo;
verte com abundância o vinho mais doce que o mel das abelhas;
e bebe-o, tendo a fronte envolvida em quentes lãs;
Não devemos entregar à dor os nossos corações,
ou deixar-nos corroer pelos cuidados;
pois tristezas não trazem proveito algum, amigo, e nada remedeiam;
nada melhor para alegrar o espírito
do que uma taça de vinho puro e forte.
Foi sua infelicidade - embora ele a tenha suportado com despreocupada inconsciência - o ter tido entre seus contemporâneos a mais célebre de todas as mulheres da Grécia. Mesmo em sua época, toda a Grécia erguia hosanas a Safo. "Uma noite, sob o calor do vinho", narra Stobeu, "Excestides, sobrinho de Solon, entoou um canto de louvor a safo, o qual tanto agradou ao tio que este pediu ao rapaz que lho ensinasse; e quando alguém do grupo indagou, "Para que?" Solon respondeu: "Quero aprendê-lo e depois morrer!" Sócrates, talvez aspirando graça igual, deu a Safo o título de "A Bela", e Platão dedicou-lhe um extático epigrama:
"Há quem afirme serem nove as Musas. Que erro!
Pois não vêem que safo de Lesbos é a Décima?"
"Safo era maravilhosa", diz Estrabão; pois em todos os tempos de que temos conhecimento não sei de outra mulher que a ela se tenha comparado, ainda que de leve, em Matéria de talento poético". Assim como os antigos queriam significar Homero quando diziam "o Poeta", também Safo era tida por todo o mundo grego como "a Poetisa."
Psappha, como ela se chamava a si própria em seu doce dialeto eoliano, nasceu em Freso, Lesbos, por volta de 612 a.C., mas sua família mudou-se para Mitilene quando ainda era criança. Em 593 a.C encontramo-la entre os aristocratas conspiradores deportados por Pitaco para a cidade de Pirra; com dezenove anos já ela começava a tomar parte na vida pública através da política e da poesia. Não era tida como beleza; pequena de estatura e frágil de porte, seus olhos e cabelos eram mais negros do que o desejariam os gregos; mas possuía o encanto da elegância, da delicadeza e do refinamento, e um espírito brilhante, mas não a ponto de matar a ternura. "Meu coração," diz a poetisa, "é como o das crianças." Sabe-se pelos seus versos que ela foi de temperamento apaixonado, e suas palavras, diz Plutarco, "vinham misturadas com chamas"; um certo sensualismo dava corpo aos entusiasmos de seu espírito. Atis, sua disputa favorita, descreveu-a como entrajada de ouro e púrpura e coroada de flores. Devia ser muito sedutora à sua maneira, pois Alceu, com ela exilado em Pira, não tardou em enviar-lhe um convite de amor. "Oh pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-lhe algo, mas a vergonha me impede." A resposta da poetisa foi menos ambígua: "Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos - dirias claramente aquilo que desejasses. O poeta cantou-lhe as graças em odes e serenatas, mas não se sabe de maior intimidade entre ambos.
Talvez o segundo exílio de Safo os tenha separado. Pitaco, temendo-lhe a maturidade da pena, deportou-a para a Sicília, provavelmente no ano 591, quando qualquer pessoa a julgaria ainda uma inofensiva rapariga.
A esse tempo casou-se Safo com um rico mercador de Andros; alguns anos depois escrevia: "Tenho uma filhinha, a querida Cleis, dourada flor que eu não trocaria por toda a Lídia nem pela formosa Lesbos. Era-lhe fácil desprezar as riquezas da Lídia depois de ter herdado toda a fortuna do esposo prematuramente falecido. Após cinco anos de exílio, voltou para Lesbos, onde se tornou a líder da sociedade e do mundo intelectual da ilha. Entrevemos reflexos de seu esplendor num dos fragmentos que se salvaram: "Mas sabiam que amo o conforto e que para mim o esplendor e a beleza pertencem ao desejo do sol." Safo apegou-se profundamente ao seu irmão mais novo, Caraxo, e sofreu terrível decepção quando, em uma de suas estadas comerciais no Egito, o rapaz apaixonou-se pela cortesã Dórica e, sem dar ouvidos às ameaças da irmã, desposou-a.
Entrementes Safo também se deixou atingir pela mesma chama. Sedenta de atividade, abrira uma escola para moças, às quais ensinava poesia, música e dança; foi essa a primeira "escola de aperfeiçoamento" da história. Safo chamava suas discípulas não de alumas, mas de hetairai - companheiras; a palavra não havia ainda tomado o sentido deprimente que mais tarde tomaria. Em sua viuvez apaixonou-se sucessivamente por todas as discípulas. "O amor," diz um dos seus fragmentos, sacudiu-me o espírito como a ventania que passa e abala os grandes carvalhos." "Amei-te, Átis, há muitos anos", narra outro fragmento, "quando minha mocidade estava ainda em flor, e tu me parecias tímida e ingênua criança." Mas inesperadamente Átis aceitou as atenções de um rapaz de Mitilene e com desmesurado ardor Safo passou a exprimir os seus ciúmes num poema conservado por Longinus e traduzido na métrica "sáfica" por John Addngton Symonds:
"Semelhante aos deuses parece-me que há de ser o feliz
mancebo que, sentado à tua frente, ou ao teu lado,
te contemple e em silêncio te ouça a argêntea voz
e o riso abafado do amor. Oh, isso só - é bastante
para ferir-me o perturbado coração, fazendo-o tremer
dentro do meu peito!
Pois basta que, por um instante, eu te veja
para que, como por magia, minha voz emudeça;
Sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
a incendiar-me as entranhas.
Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas
soa-me aos ouvidos;
o suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor
se apodera de todos os meus membros e, mais lívida
que a outonal folhagem, estorcendo-me nas dores da agonia,
desfaleço perdida no êxtase do amor.
(Swinburne deu-nos o melhor exemplo desse metro, e descreve-nos o amor de Safo num poema de profunda beleza, de nome "Sáficas", em seu livro Poemas e baladas.)
Os pais de Átis retiram-na da escola; e uma carta atribuída a safo dá-nos ideia do que foi a separação.
"Muito ela (Átis?) chorou a ter de deixar-me, e disse: "Oh, como é triste a nossa sorte! Safo, juro que se te abandono, faço-o contra minha vontade." E eu respondi: "Vai e sê feliz, mas lembra-te de mim, pois sabes o quão doidamente te amo. E se vires a esquecer-me, oh, então hei de lembrar-te o que esqueceste - a vida adorável e cheia de encanto que juntas vivemos. Pois com muitas guirlandas tecidas de violetas e perfumadas rosas adornaste, ao meu lado, tuas esvoaçantes madeixas; e muitos foram os colares feitos de mil flores com que envolveste teu formoso pescoço; e quantas vezes em meu regaço untaste teu corpo jovem e belo, com óleos raros e preciosos. E não havia monte, lugar sagrado ou regato, que juntas não visitássemos; e jamais primavera alguma encheu os bosques de doces rumores ou do melodioso canto dos rouxinóis, sem que nós estivéssemos presentes."
Depois disso, no mesmo manuscrito, vem um grito mais amargo. "Nunca mais hei de rever Átis e seria bem melhor para mim se tivesse morrido." Esta é sem dúvida a autêntica voz do amor, atingindo culminâncias de sinceridade e beleza além do mal.
Antigos críticos travaram debates para decidir se esses poemas seriam expressões do "amor lésbico" ou simplesmente divagações poéticas e impessoais. Basta-nos, entretanto, que sejam poesia de primeira ordem, vibrante de sentimento, resplandescente de imagens e perfeita na linguagem e na forma. Um dos fragmentos fala dos "passos da primavera em flor"; outro fala do "Amor, o amolentador dos membros, o agri-doce tormento"; outro compara o amor inatingível à "deliciosa maçã que avermelha na ponta do galho e só não foi colhida por estar muito alta." Safo escreveu sobre outros tópicos do amor, e empregou, mesmo nos fragmentos que nos restam, meia centena de metros diferentes; ela própria musicava seus poemas para harpa. Seus versos foram reunidos em nove volumes, contendo ao todo umas doze mil linhas; seis mil foram salvas, embora na maioria salteadas. No ano de 1073 da nossa era a poesia de Safo e de Alceu foi queimada publicamente pelas autoridades eclesiásticas de Constantinopla e Roma. ( terrorismo da igreja sempre estava presente nessas atitudes inconsequentes). Depois em 1897, Grenfell e Hunt descobriram no Oxirinco, em Faio, caixões funerários feitos de "papier-maché" para cuja fabricação haviam sido aproveitadas páginas de livros antigos; entre estas encontravam-se alguns poemas de Safo.
A posteridade masculina vingou-se dessa extraordinária mulher divulgando, ou inventando, a história da sua morte em consequência de um amor não correspondido. Um trecho de Suidas narra como "a cortesã Safo" - perfeitamente identificada com a poetisa - suicidou-se lançando-se do alto de um penhasco na ilha de Leucas, porque Faon, o marujo, não lhe correspondia ao amor. Menandro, Estrabão e outros referem o fato, e Ovídio repete-o com amorosos detalhes; mas há nessa narrativa todos os característicos da lenda, e deve ser deixada nebulosamente flutuante entre a ficção e a verdade. Em sua velhice, diz a tradição, Safo aprendera o amor dos homens. Subsiste a sua comovente réplica a uma proposta de casamento. "Se meus seios ainda fossem capazes de amamentar e meu ventre pudesse gerar filhos, então, sim, para um outro leito nupcial eu me encaminharia sem que meus pés tremessem, mas os anos marcaram-me de rugas a pele, e o Amor não se apressa em ofertar-me a sua dádiva de dor" - e ela aconselha o pretendente a procurar esposa mais jovem. Na verdade ignoramos quando Safo morreu, ou de que maneira; sabemos apenas que deixou após si uma vívida lembrança de ardor, poesia e graça; e que resplandeceu acima do próprio Alceu como a mais melodiosa voz do seu tempo. Delicadamente, num último fragmento, ela reprova os que não queriam admitir que seus cantos tinham cessado:
"Desonrais as Musas, meus filhos, quando dizeis "Havemos de coroar-te, querida Safo, como o melhor dos poetas, pois ninguém como tu, e com tanta clareza, jamais soube vibrar a melodiosa lira."
Não vedes que tenho a pele enrugada pelos anos, e que meus cabelos, de negros que eram, estão hoje brancos?... Sem dúvida, assim como anoite estrelada segue a Aurora de róseos braços, espalhando suas trevas até os confins da terra, assim a Morte persegue todas as coisas vivas e no fim as apanha."